O modo de falar do brasileiro
Toda língua possui variações linguísticas. Elas podem ser
entendidas por meio de sua história no tempo (variação histórica) e no espaço
(variação regional). As variações linguísticas podem ser compreendidas a partir
de três diferentes fenômenos.
1) Em sociedades complexas convivem variedades linguísticas
diferentes, usadas por diferentes grupos sociais, com diferentes acessos à
educação formal; note que as diferenças tendem a ser maiores na língua falada
que na língua escrita;
2) Pessoas de mesmo grupo social expressam-se com falas
diferentes de acordo com as diferentes situações de uso, sejam situações formais,
informais ou de outro tipo;
3) Há falares específicos para grupos específicos, como
profissionais de uma mesma área (médicos, policiais, profissionais de
informática, metalúrgicos, alfaiates, por exemplo), jovens, grupos
marginalizados e outros. São as gírias e jargões.
Assim, além do português padrão, há outras variedades de
usos da língua cujos traços mais comuns podem ser evidenciados abaixo.
Uso de “r” pelo “l” em final de sílaba e nos grupos
consonantais: pranta/planta; broco/bloco.
Alternância de “lh” e “i”: muié/mulher; véio/velho.
Tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas:
arve/árvore; figo/fígado.
Tendência a tornar paroxítonas as palavras proparoxítonas:
arve/árvore; figo/fígado. Redução dos ditongos: caxa/caixa; pexe/peixe.
Simplificação da concordância: as menina/as meninas.
Ausência de concordância verbal quando o sujeito vem depois
do verbo: “Chegou” duas moças.
Uso do pronome pessoal tônico em função de objeto (e não só
de sujeito): Nós pegamos “ele” na hora.
Assimilação do “ndo” em “no”( falano/falando) ou do “mb” em
“m” (tamém/também).
Desnasalização das vogais postônicas: home/homem.
Desnasalização das vogais postônicas: home/homem. Redução do
“e” ou “o” átonos: ovu/ovo; bebi/bebe.
Redução do “r” do infinitivo ou de substantivos em “or”:
amá/amar; amô/amor.
Simplificação da conjugação verbal: eu amo, você ama, nós
ama, eles ama.
Ampliar
Variações regionais: os sotaques
Se você fizer um levantamento dos nomes que as pessoas usam
para a palavra "diabo", talvez se surpreenda. Muita gente não gosta
de falar tal palavra, pois acreditam que há o perigo de evocá-lo, isto é, de
que o demônio apareça. Alguns desses nomes aparecem em o "Grande Sertão:
Veredas", Guimarães Rosa, que traz uma linguagem muito característica do
sertão centro-oeste do Brasil:
Demo, Demônio, Que-Diga, Capiroto, Satanazim, Diabo, Cujo,
Tinhoso, Maligno, Tal, Arrenegado, Cão, Cramunhão, O Indivíduo, O Galhardo, O
pé-de-pato, O Sujo, O Homem, O Tisnado, O Coxo, O Temba, O Azarape, O
Coisa-ruim, O Mafarro, O Pé-preto, O Canho, O Duba-dubá, O Rapaz, O Tristonho,
O Não-sei-que-diga, O Que-nunca-se-ri, O sem gracejos, Pai do Mal, Terdeiro,
Quem que não existe, O Solto-Ele, O Ele, Carfano, Rabudo.
Drummond de Andrade, grande escritor brasileiro, que elabora
seu texto a partir de uma variação linguística relacionada ao vocabulário usado
em uma determinada época no Brasil.
Antigamente
"Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram
todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em
geral dezoito. Os janotas, mesmo sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes,
arrastando a asa, mas ficavam longos meses debaixo do balaio."
Como escreveríamos o texto acima em um português de hoje, do
século 21? Toda língua muda com o tempo. Basta lembrarmos que do latim, já
transformado, veio o português, que, por sua vez, hoje é muito diferente
daquele que era usado na época medieval.
Língua e status
Nem todas as variações linguísticas têm o mesmo prestígio
social no Brasil. Basta lembrar de algumas variações usadas por pessoas de
determinadas classes sociais ou regiões, para perceber que há preconceito em
relação a elas.
Veja este texto de Patativa do Assaré, um grande poeta
popular nordestino, que fala do assunto:
O Poeta da Roça
Sou fio das mata, canto da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de paia de mío.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argun menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! Vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.
Meu verso rastero, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
(...)
Você acredita que a forma de falar e de escrever comprometeu
a emoção transmitida por essa poesia? Patativa do Assaré era analfabeto (sua
filha é quem escrevia o que ele ditava), mas sua obra atravessou o oceano e se
tornou conhecida mesmo na Europa.
Leia agora, um poema de um intelectual e poeta brasileiro,
Oswald de Andrade, que, já em 1922, enfatizou a busca por uma "língua
brasileira".
Vício na fala
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.
Uma certa tradição cultural nega a existência de
determinadas variedades linguísticas dentro do país, o que acaba por rejeitar
algumas manifestações linguísticas por considerá-las deficiências do usuário.
Nesse sentido, vários mitos são construídos, a partir do preconceito
linguístico.